Nestes dias de carnaval assisti ao filme que conta a vida e a relação de Luiz Gonzaga com seu filho Gonzaguinha. Trata-se de um filme emocionante, que desnuda parte da vida do "rei do baião". Uma pessoa genial, com erros e qualidades mostradas nas cenas memoráveis da película. Difícil para um cearense como eu não se emocionar. Difícil não verter lágrimas no rosto. Entretanto, o filme também me trouxe outras emoções. Emoções de recordar as duas vezes que tive o privilégio de vê-lo cantar.
Uma das vezes foi no Estádio Castelão que estava lotado para receber o Papa João Paulo II em 1980. Eu era novinho, mas não perdi este momento marcante da história. Luiz Gonzaga cantou para o papa a canção que era o maior sucesso da época: "Obrigado João Paulo II". Mas, esta é uma outra história que prometo escrever sobre ela depois. Quero falar da outra oportunidade que vi o velho Luiz cantar e em que pude dançar à vontade.
O local foi a antiga boate Babilônia. Ficava na avenida Santos Dumont em Fortaleza (CE). Era meu local preferido para as baladas. Se estivesse na capital cearense no final de semana, com certeza estaria por ali. Era um ambiente agradável, com bom serviço e sempre bons shows. Neste dia fui acompanhado do meu irmão Sérgio e de minha irmã Ilana. Chegamos cedo, ainda não havia começado. Pegamos uma mesa perto do palco e ficamos aguardando a entrada do mestre.
E ele entrou no belo palco vestido com sua indumentária tradicional. De gibão de couro, óculos Ray Ban, chapéu de vaqueiro, e com sua sanfona adentrou sob as palmas do público. O tempo já pesava e ele sentou-se em um banquinho. Saudou os presentes e começou a cantar os grandes sucessos da sua longa jornada musical. Logo a princípio fiquei extasiado, admirando aquele rosário de músicas adoráveis. Ele entoava:
"Minha vida é andar
por esse país
pra ver se um dia
descanso feliz
guardando as recordações
das terras por onde passei
andando pelos sertões
e dos amigos que lá deixei..."
Era difícil ficar parado. Eu e minha irmã Ilana circulamos pelo salão. Dançávamos bem pertinho do palco para ver de perto o mestre da sanfona. E ele continuava:
"Zé matuto foi a praia só pra ver como é que é
mas voltou ruim das bola de ver tanta rabichola
nas cadeira das mulé"
Seu jeito era de quem conhecia o público para quem tocava. Depois de agitar bastante com muitas músicas dançantes, deu um descanso para os casais, passando a contar a sua história, ou seja o sentimento do Nordeste em suas letras musicais:
"Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
Oh! Deus, será que o senhor se zangou
e só por isso o o sol se arretirou
Fazendo cair toda chuva que há
Senhor, eu pedi para o sol esconder um tiquinho
Pedi pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão..."
Sua voz entoava pela boate, fazendo as pessoas dançarem, as pessoas se emocionarem, as pessoas sentirem que ali estava tocando e cantando alguém que conhecia a fundo a alma brasileira, a alma nordestina. Não sei se naquela época, naquele instante, eu sabia a dimensão do intérprete que ali se encontrava. Sabia que ali se encontrava um cantor maravilhoso, que fazia sorrir e chorar ao mesmo tempo. Uma pessoa como poucos, alguém predestinado a cantar a emoção, o sentimento, a peraltice....
Hoje relembro com saudade deste momento. Sei do momento mágico que foi ouvir "Asa Branca" pela voz incomparável do "rei do baião":
"até mesmo a asa branca
bateu asas do sertão
então eu disse adeus Rosinha
guarda contigo meu coração
quando o verde dos teus olhos
se espalhar na plantação
eu te asseguro não chores não, viu
que eu voltarei, viu
meu coração...."
O show naquele dia terminou com um gostinho de queremos mais. O pedido foi feito e Luiz Gonzaga voltou para sua despedida da noite. Não recordo sua última canção neste dia. Sei apenas que foi a primeira e última vez que tive o prazer de dançar ao vivo sob sua regência. Inesquecível. Maravilhoso. Uma noite para sempre no coração de um nordestino.
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