segunda-feira, 6 de outubro de 2008

ERROS JUDICIÁRIOS

Este texto do Professor Damásio de Jesus nos explica vários motivos para a pena de morte não ser aplicada em nosso país.

Erros judiciários

O tema das condenações de inocentes que pagaram de modo injusto por crimes que não cometeram é recorrente na literatura, no cinema, no teatro e na vida jurídica e policial de todos os povos.
Quem não se recorda de haver tomado conhecimento do rumoroso caso dos irmãos Nave, conhecido de todo estudante de Direito? Foi objeto de livros e até de um longa-metragem, nos anos 1960, dirigido por Luiz Sérgio Person. Os Nave, durante o período do Estado Novo, foram presos e acusados de um homicídio que não tinham cometido. Detidos, foram torturados e processados, vindo a ser condenados injustamente. Só tarde demais tiveram a inocência reconhecida.
Recordo-me de um velho advogado paulista que contava ter ouvido de seu pai, também nosso colega, a narração de um fato que se passou no Brasil, em meados do século XIX. Um padre estava na igreja e tornou-se única testemunha de um homicídio. A poucos metros dele, um homem esfaqueia outro, que cai ensangüentado e vem a falecer. O criminoso, vendo que seu ato fora presenciado pelo sacerdote, que o conhecia bem, aproximou-se dele e disse:
– Padre, não quero matar o senhor, que é testemunha única do que acabo de fazer. Mas, para não me denunciar, eu lhe confesso o meu crime. Se o senhor contar a alguém que me viu cometendo esse ato, estará violando o sigilo de confissão…
O padre foi socorrer o esfaqueado, retirou a faca do corpo e, ao fazer isso, sujou-se com sangue. Minutos depois, chegaram outras pessoas e surpreenderam o pároco “em flagrante delito”. Não obstante as evidências contra ele, fiel ao sigilo sacramental e receoso de, indiretamente, violá-lo, manteve-se em cerrado mutismo. Não se defendeu durante as investigações nem na fase processual. Recebeu uma pena detentiva alta e foi cumpri-la na cadeia pública. O bispo retirou-lhe os poderes sacerdotais porque, pelas leis canônicas, o sacerdote homicida devia ser severamente punido.
Muitos anos depois, o coitado estava rezando solitário em sua cela quando, certo dia, ouviu do lado de fora da cadeia uma banda de música que tocava e foguetes que espoucavam. Para sua surpresa, o carcereiro informou-lhe que estava livre. Do lado de fora estavam o bispo, o Cabido diocesano e membros da Câmara Municipal para homenageá-lo pelo seu heroísmo e reparar de alguma forma a injustiça. O verdadeiro criminoso havia morrido e deixado uma confissão pormenorizada de tudo o que fizera, inocentando-o.
Não contei essa história para que a analisem diante do Código Canônico e da legislação penal, mas para mostrar que até as evidências podem induzir a erro.
Nunca me canso de assistir, quando aparece na televisão, ao clássico filme Doze homens e uma sentença, em sua velha versão preto e branco, com Henry Fonda no papel principal, ou em sua moderna versão colorida, na qual figurou, magistralmente, George C. Scott. Tudo se passa numa sala, na qual os 12 jurados americanos devem decidir, por unanimidade, se um jovem acusado de matar o próprio pai é culpado ou inocente. As provas se acumulam contra o réu e 11 votos se manifestam pela condenação. Apenas um tem dúvidas e insiste para que se estude melhor o caso. Começam os debates e, pouco a pouco, vão mudando as opiniões. As incoerências da acusação, a leviandade da coleta de provas, a notória incompetência dos advogados de defesa, tudo é examinado. Enquanto se revelam as várias opiniões, vão aparecendo as falhas graves do libelo acusatório e também a psicologia dos vários jurados. Suas idiossincrasias e seus preconceitos se vão, durante o debate, pondo a nu. Afinal, para surpresa, os 12 votos se pronunciam pela absolvição.
Essas recordações todas me vieram ao espírito lendo o noticiário dos jornais de setembro. Tomamos conhecimento de dois casos graves de acusações contra inocentes.
O Juiz Marco Antônio Montemór inocentou, por absoluta inconsistência da acusação, uma mulher à qual se atribuiu ter colocado cocaína na mamadeira de sua filhinha de 1 ano, causando-lhe a morte. O fato ocorreu em Taubaté/SP, em 2006. A acusada foi presa em flagrante. Detida, foi recebida como monstro desnaturado pelas outras detentas, espancada e gravemente ferida. O laudo pericial, entretanto, comprovou que não havia cocaína na mamadeira e as contradições entre os testemunhos que inculparam a acusada foram sopesados pelo Magistrado, que a livrou da imputação. Ela fala, agora, em mover ação contra o Estado, solicitando indenização. Está em seu pleno direito, sem dúvida.
No segundo caso, o Ministério Público de Guarulhos requereu a soltura de três rapazes acusados de violentar e assassinar uma jovem. Estavam presos, aguardando julgamento, há mais de dois anos. Segundo consta, eram muito fortes as provas contra eles. Um indiciado, talvez em conseqüência de maus-tratos, chegou a confessar-se culpado. Mas, agora, o denominado “maníaco de Guarulhos” confessou o assassinato da vítima, revelando pormenores da autoria. Acredito que também eles, se quiserem, poderão acionar o Estado, pleiteando indenização.

Errare humanum est… A Justiça humana, por mais que se esforce, é falível, pode errar.

Esse talvez seja o melhor dos argumentos que conheço contra a pena de morte.

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