domingo, 6 de junho de 2010

UMA REFLEXÃO SOBRE O CINE CEARÁ POR ROSEMBERG CARIRY

Achei interesante este artigo do amigo e cineasta Rosemberg em que analisa as edições do Cine Ceará. Reproduzo aqui em nosso blog.

Cine Ceará 20 Anos – Mais do que uma festa

Rosemberg Cariry

Um festival de cinema não é apenas uma festa, é muito mais. É a ressaca da festa, o encontro com a própria consciência, o mal-estar da civilização, a interrogação posta na urgência da vida, o signo que não foi traduzido, a ferida exposta das nossas próprias mazelas reveladas (nos filmes). Um festival é o ritual profundo do nosso encontro com o espelho. Talvez tenha mais a ver com psicanálise do que com arte, pois faz o homem mergulhar (com uma tocha na mão) em suas próprias sombras. Um filme é sempre projetado na alma. A tela está dentro de nós. Talvez tenha a ver mais com ética do que com estética, uma vez que coloca diante da arte a reflexão do ser.

Um festival de cinema não é apenas um evento oficial, é muito mais. Embora as autoridades sejam citadas e os patrocinadores louvados, embora os prêmios sejam distribuídos e as homenagens prestadas, um festival é mais o que se realiza nas margens, nos subterrâneos, nas beiradas, no submundo. Um festival é, sobretudo, o que se insurge, o que incomoda, o que provoca a resposta impossível. Um festival é um exercício da crítica, não a crítica factual e ordinária, mas a crítica que interroga, que expõe, que aponta caminhos e abismos. Quando um filme, em um festival, encontra-se com o seu público (independente do seu próprio mérito), não apenas emociona e desperta amor e ódio, mas questiona o estar-no-mundo e inquieta o ser-no-mundo. Não que um filme tenha capacidade de transformar o mundo, mas um filme, esculpindo com luzes a rocha da escuridão, propõe uma narrativa imaginária e onírica (não existe filme real) que se transforma em uma força misteriosa, com capacidade de pôr em movimento a “central enérgico-psíquica” do público e fazendo do espaço público, mais do que uma Academia (no sentido que lhe dava Platão), uma arena, onde se enfrentam os gladiadores de ideias oponentes (em suas diversas gradações), e tudo é possível: do mais sublimes vôos aos mais abjetos golpes.

Um festival é como um microcosmo da sociedade e do tempo histórico em que vivemos, reproduzindo (em laboratório) muitas das belezas e das misérias humanas. Um festival de cinema cansa, engorda e faz mal à saúde, mas é sempre um acontecimento fascinante, onde se exacerbam as paixões e tem lugar a possessão do homem pelas artes. Um festival é um ritual primitivo e pós-moderno, ao mesmo tempo.

De um festival, não me interessa o glamour, o brilho, o sucesso, o oficioso, o factóide. Antes, interessam-me as suas inquietações e contradições. No CINE CEARÁ, nestes seus 20 anos de existência, o que me interessa é a busca de compreensão do que a história não registrou, é o debate que o vento levou, é o encontro que a vida estilhaçou, é a parceria que aconteceu de forma inusitada, é o que permitiu a ruptura, é o que apontou para o novo, é o berro do boi ao avistar o matadouro.

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